Solidariedade e coesão
Durkheim concebe a sociedade como um corpo vivo, um organismo cujas partes - cada instituição e cada indivíduo cumprem papéis determinados e existem em função do todo. A "liga" que une esses diferentes componentes, tornando a sociedade possível, é o que ele chama de solidariedade.
Nas sociedades mais simples e mais homogêneas existe uma integração equilibrada entre as partes porque elas diferem muito pouco entre si. As tarefas são divididas ou por gênero (por exemplo, homens caçam, mulheres plantam e colhem) ou por idade. Mesmo quando ocorre uma especialização de diferentes ofícios ou saberes, isso não se deve à "vocação profissional" ou ao "talento" de cada indivíduo. Um sujeito é sapateiro porque aprendeu o ofício com o pai, e é esse mesmo ofício que ele ensinará aos filhos. Nesses contextos, segundo Durkheim, o tipo de solidariedade que prevalece é a mecânica, ou seja, uma solidariedade que independe de uma reflexão intelectual ou de uma escolha. O nível de coesão é altíssimo, e é inconcebível alguém se sentir sem um lugar no mundo, sem direção.
Durkheim descreve essa situação de maneira clara: è como se o "sentido do nós" fosse mais forte do que o sentido do eu". O coletivo é que define o individual: o bem-estar do grupo é o que dá sentido, e a tradição informa a direção a seguir. É por isso que nas sociedades de solidariedade mecánica qualquer crime è visto como um ato contra toda a sociedade. O mal feito a um atinge a todos, porque representa uma ruptura com os elos de solidariedade que tão fortemente unem o grupo. Nessas sociedades, nos diz Durkheim, fazer parte de um grupo ser membro de uma corporação, pertencer a uma religião ser conhecido como parte de uma família, tudo isso é mais forte do que se apresentar como alguém que responde por seu próprio destino, sua biografia. É o grupo que dá ao individuo a explicação de sua própria vida.
Em pleno século XXI è difícil imaginar uma situação em que as pessoas não se apresentem como indivíduos com vontades e escolhas próprias. Mas o que Durkheim diz é que nem sempre foi assim, e não é assim em todo lugar. E, para deixar claro seu argumento, ele volta ao cenário pré-industrial. A aldeia medieval, por exemplo, por ser uma comunidade fechada e sem muito movimento de pessoas de fora do grupo, permitia que o coletivo falasse mais forte do que cada pessoa individualmente. Era uma comunidade pequena, onde todos se conheciam desde o nascimento até a morte, e indiferenciada, onde todos dependiam do conjunto para a satisfação de suas necessidades. O resultado é que a vida social se dava em grupo, tanto no trabalho como no lazer.
Esse tipo de arranjo social, característico das sociedades pré-capitalistas, sofreu uma mudança importante quando paralelamente ao aumento populacional, ocorreu um incremento das comunicações e das trocas de mercadorias e de ideias entre as pessoas. No mundo da Revolução Industrial, das cidades inchadas de gente, das distâncias encurtadas pelo rádio e pelo automóvel ninguém mais sabe ao certo seu lugar ou direção a seguir. As pessoas se veem coma indivíduos, portadores de caracteristicas e personalidades que os tornam únicos. Já não faz sentido, portanto, falar de uma "liga" mecânica unindo partes parecidas entre si. É por isso que Durkheim diz que na nova sociedade predomina outro tipo de elo: a solidariedade orgânica. Ela é fruto justamente das diferenças, que ficam claras graças à nova divisão social do trabalho.
A nova divisão social do trabalho, a que se refere Durkheim, diz respeito não apenas à especialização de funções econômicas, mas também à segmentação da sociedade em diferentes esferas e ao surgimento de novas instituições, como o Estado, a escola ou a prisão. Em decorrência dessa nova divisão, os indivíduos executam tarefas que, por serem especializadas, contribuem para o funcionamento do organismo social. Sua sobrevivência depende de muitos bens e serviços que outros podem oferecer. Cada indivíduo se vê, assim, ligado aos demais Mas há outra razão pela qual a divisão do trabalho produz solidariedade e coesão: ela implica regras e princípios que conectam todos os membros da sociedade de maneira duradoura.