Tudo virando urbano
Outro acontecimento importante provocou a necessidade de olhar o Brasil de forma mais atenta: a urbanização. O Brasil tem sido apontado por especialista nacionais e estrangeiros como um pais que passou por um dos maiores movimentos de urbanização registrados na época Contemporânea. A população predominantemente rural transformou-se em majoritariamente urbana em um espaço de tempo muito curto, de apenas 25 anos. A velocidade desse processo e a concentração de pessoas que ele produziu tem exigido dos especialistas muitas explicações. Aos habitantes das cidades, tem provocado um misto de aceitação e inquietação. Afinal, como e por que tudo virou urbano?
Associamos também a vida urbana ao surgimento e consolidação da atividade industrial. A cidade, fizemos questão de insistir, foi o cenário onde ocorreram profundas transformações , tanto no sentido econômico, com as mudanças no processo de trabalho, quanto no sentido politico e social, com a ampliação e a conquista de direitos.
As cidades fazem parte da paisagem social brasileira desde o período colonial, as foi a partir da segunda metade do século XIX, quando ocorreu o primeiro surto de industrialização no pais, que elas começaram a ter um numero expressivo de habitantes. As cidades cresceram, sobretudo, gracas aos imigrantes italianos, japoneses e alemães, que se dirigiram primeiro para o Sul do pais e em seguida para os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo estados estes que também iriam se tornar atraentes para as migrações internas. Estima-se que na ultima década do século XIX cerca de 1,2 milhão de imigrantes entraram no Brasil.
Se as migrações internacionais provocaram o crescimento urbano na primeira metade do século XX, entre elo 1960 e 1980 seriam as migrações internas que definiriam os contornos das cidades. Em duas décadas, saíram do campo para a cidade cerca de 43 milhões de pessoas. A industrialização do Sudeste estimulou esse movimento de migrantes, oriundos sobretudo da região Nordeste, que deixavam o campo com a esperança de uma vida melhor no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Ao longo da historia, a rede urbana brasileira foi se concentrando no litoral. De inicio, as cidades mais importantes eram aquelas que se relacionavam diretamente com a Metrópole portuguesa. No Império e no inicio da Republica, as cidades estavam articuladas entre si em função das atividades agrícolas, e todas tinham como referencia a capital da província ou do estado. Nas capitais estavam os serviços públicos e as principais institui coes comerciais e financeiras. Até os anos 1960, as principais cidades brasileiras, além do Rio de Janeiro capital da Republica, eram todas capitais de estado: Belém, Manaus, Fortaleza, Recife, Salvador, Cuiabá, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Eram poucas as cidades de médio porte. A partir da década de 1970, porém, passou a ocorrer uma desconcentração da população nos grandes aglomerados urbanos, em consequência da redução das migrações e da queda da taxa de fecundidade estimativa do numero médio de filhos por mulher em idade de procriar. As cidades médias não metropolitanas ganharam relevância e passaram a apresentar maior crescimento. Paralelamente, assistiu-se formação de grandes regiões metropolitanas.
Hoje o Brasil é um pais majoritariamente urbano. No inicio do século XXI, mais de 80% da população brasileira reside em áreas urbanas. De acordo com o Censo 2000, as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo tem 22,5% do total da população urbana, o que indica um equilíbrio bem maior na distribuição da população urbana do que em décadas passadas.
As cidades em geral, como nos ensinou Georg Simmel, tem a propriedade de nos mostrar muitas coisas ao mesmo tempo. As cidades brasileiras não são diferentes. Elas abrem oportunidades de vida e trabalho para milhares de pessoas e mostram caminhos para a realização de mui tos desejos: participar das decisões politicas, de usufruir dos equipamentos culturais, de andar pelas ruas com liberdade, de adquirir bens. Mas também abrigam pessoas que não conseguem realizar um só desses anseios. As cidades brasileiras revelam, assim, a cara do Brasil: são amigáveis e violentas; cordiais e injustas; livres e opressoras; generosas e excludentes; hospitaleiras e cruéis.
Os muitos retratos possíveis do Brasil estão presentes em tracos desconexos nos ambientes urbanos. Porque foi nas cidades que a imprensa e os meios de comunicação cresceram e se disseminaram, nelas as noticias se espalham com rapidez. Os isolamentos se quebram, porque somos obrigados a compartilhar espaços, mas ao mesmo tempo se criam novas fronteiras entre os grupos sociais. Por isso é que a"imaginação sociológica" reco menda que não nos atenhamos a uma formula única, a uma só versão do acontecimento, a uma possibilidade de solução. Por isso ela nos incentiva a observar de perto como se alteram aspectos considerados estáveis e permanentes em nosso cotidiano. Tomemos um exemplo apenas, para percebermos quão complexa é a vida em sociedade. O que acontece com as famílias brasileiras?