Tempos nervosos

Tempos nervosos


A Modernidade, incontestavelmente, mudou o ritmo da produção. Mas não só isso:  mudou o ritmo das ruas,  das cidades, da vida. Na verdade, tudo foi se acelerando. As formas de entretenimento são bons exemplos: a quietude exigida pela leitura contrasta radicalmente com a velocidade da montanha-russa ou do cinema de ação. Nossa capacidade de percepção também se alterou: pense na quantidade de variáveis em que você precisa prestar atenção enquanto joga uma partida de videogame. por acaso,  as habilidades dos jovens do século XXI deixam os mais velhos perplexos: falam ao telefone, checam e-mails, escutam música e fazem o dever de casa ao mesmo tempo!

Georg Simmel viveu muito antes deste nosso tempo de hoje, mas formulou um conceito que nos ajuda a pensar na aceleração do cotidiano e em suas consequências psíquicas: conceito de intensificação da vida nervosa.  No contexto da cidade, dizia ele, somos frequentemente expostos a estímulos imagens, sons, rostos, anúncios que acabam exigindo de nós uma sensibilidade especifica. Temos que ser capazes de nos concentrar,  de manter um ritmo acelerado de produção e de nos adequar a um tempo marcado por um"calendário estável e impessoal" Os avanços tecnológicos e a racionalização da vida lembre-se do que Max Weber ensinou contribuem para que o cotidiano se torne ao mesmo tempo mais simples e mais complicado.

Se você nasceu ou mora em uma cidade grande há muito tempo, dificilmente pensa,  antes de sair de casa,  no quanto é complicado caminhar em meio a uma multidão apressada.  Mas,  para que isso não seja um problema, você precisou ser socializado, precisou adquirir certos saberes que hoje são automáticos no seu comportamento: como desviar dos outros transeuntes enquanto presta atenção no sinal de trânsito e nos carros; como ignorar certos sons e estar atento a outros(uma sirene ou buzina, por exemplo); como manter o foco quando tantas imagens passam pela janela do ônibus; como agir quando está cercado por rostos estranhos.

O que hoje já se tornou um comportamento em grande medida naturalizado foi objeto de reflexão das ciências e das artes na virada do século XIX para o XX. Cientistas, filósofos, literatos e poetas escreveram sobre os novos"choques" cotidianos e suas consequências positivas e negativas-para a personalidade dos indivíduos. Como explica o antropólogo Luiz Fernando Duarte,  foi nessa época que os psiquiatras criaram um novo vocabulário clínico em torno da "doença dos nervos", com a intenção de explicar as "perturbações de caráter" "irritações", "tensões"  e"surtos"  a que estariam submetidos os que vivem nas grandes cidades. esse vocabulário, aliás, se atualiza continuamente: hoje, por exemplo, é comum explicarmos reações típicas da vida nas grandes cidades usando a palavra"estresse".

Georg Simmel argumentou em seus escritos que, para lidar com os novos estímulos e acelerações, com a intensificação da vida nervosa, os habitantes das grandes cidades desenvolveram um comportamento estranho ao mundo rural e à cidade pequena, a que chamou de atitude de reserva. Homens e mulheres urbanos, para preservar sua sanidade mental,  acabam se fechando,  se protegendo dos estímulos exteriores, se distanciando das emoções cotidianas. Aprendem a se tornar indiferentes àquilo que não lhes diz respeito diretamente, a mergulhar em si mesmos, a prestar atenção apenas ao seu pequeno círculo de convívio. Imagine, por exemplo, se você tivesse de cumprimentar ou saber o nome de cada pessoa com que você cruza no caminho entre sua casa e sua escola. Se você mora em uma cidade grande, isso é simplesmente inconcebível. Simmel descreve essa impossibilidade com as seguintes palavras.

A vida na metropole acelerada seria marcada, portanto, pela pluralidade de experiências e pelo anonimato das interações